quarta-feira, 13 de maio de 2020

Era tempo de arrumar as malas


Clube de escrita feminina -  Auroras
Atividade 1- Escreva sobre um item que traga memórias 


Era tempo de arrumar as malas. Vinte e dois anos de existência em uma única casa, no mesmo endereço, no mesmo bairro, ao lado das pessoas que sempre foram mais especiais para mim: meus pais e minha irmã. Era hora de deixar o esteio. De sair. Não como se não houvesse passado, mas como se agora fosse o momento de criar o meu futuro.

Encaixotando memórias, pegava nas mãos cada um daqueles tomos, cada um daqueles livros já me havia propiciado momentos inenarráveis. Minha vida foi entre histórias, seja elas orais ou escritas. Entre meu avô e eu, inúmeras experiências foram trocadas. E na ausência dele, essas histórias foram suporte.

Aquele livro menorzinho, entre tantos que estavam ali, me levou para longe. Pra uma infância em que tudo era possível e que as histórias já cumpriam uma imensa parte. Talvez, este seja o único livro que me resta daquele momento. Um livro de natal, vermelho com uma mamãe noel na capa. Os outros onze da coleção se perderam com o tempo, mas nosso inconsciente tem a arte de reter sentimentos e vivências que presenciamos ao ler determinado livro. E fui transportada para uma infância em que ler não era mais do que entretenimento. Ler por ler. Ler para mim. Ler para dizer se gostou do livro para a bibliotecária da escola. Ler para frequentar aquele corredorzinho minúsculo e quase esquecido daquele castelo-escola. Ler para mim. Ler para dar extensão às histórias orais que meu avô me contava antes de dormir. Ler para ler.

Aquele livrinho vermelho foi o início de uma paixão. De uma vontade de manter uma biblioteca tão esplendorosa quanto a da Fera. Sempre foi como se os livros falassem e tivessem vida. Esperassem ansiosamente sua vez de serem lidos e ganharem a vida pela mente que o imagina. Nunca foi luxo. Sempre foi necessidade com o tempo estar mais rodeada de palavras escritas do que ditas pelos adolescentes que me cercavam. E dessa necessidade, nasce o estudo.

Decidi estudar os livros e ensinar sobre eles. Há alguns anos que dedico minha vida ora ao estudo, ora ao ler por ler. E leio muito. Penso que deveria ainda ler mais. Estar mais e mais conectada àquela garotinha que ficava horas naquele corredor minúsculo ou à grande biblioteca que pude frequentar já na escola de minha adolescência. Me conectar à garota que insistia que que precisava reler um livro todos os anos, e assim fazia. Me conectar à garota que lia durante as aulas quando o professor começava a contar histórias da vida. Me conectar à garota que segurou pela primeira vez aquela coleção de livros natalinos vermelhos e que acompanhava aquelas histórias em um CD.

Era mais do que necessário empacotar aquele livro e leva-lo para essa nova fase em minha vida, pois ele foi luz e é, mesmo que surrado e velho, esteio de tudo o que sou hoje. Como leitora e como pessoa.

  Alyne Lima

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