Eu preciso que você me guie. Preciso que você me pincele. Eu preciso que você, com suas mãos firmes e delicadas, segure sua paleta de cores e imagine estar aqui de novo. Materializada. Com suas telas. Com seus medos. Sua insegurança sobre a vida e certeza sobre a sua arte. Sua dança da inspiração todas as manhãs. O seu gosto por jardins e cores fortes. Eu preciso que você me ensine a retraçar nossos trilhos e cruzar nossos caminhos. Eu preciso que você saiba que o cheiro do café quando inalado em sua ausência é um corrosivo para a alma. Eu preciso que você saiba que eu preciso de você e que mesmo que entre pela porta da sala com os pés enlameados ou esquecer a camiseta por aí, eu vou estar esperando por nós dois.
Estou olhando para pedaços de você e estilhaços de nós dois que não me deixam esquecer a última noite que passou aqui, dos gritos, dos cacos, do seu último olhar de fúria. Eu estava furiosa também. Conversamos na hora errada. Analisamos pela vertente errada. Deixe-me explicar. Venha com seu macacão jeans que compramos no brechó da esquina e sua alpargata amarela. Sente no nosso sofá antigo e deixe-me preparar seu chá. Não quente, morno. Morno como estava nosso relacionamento nos últimos dias, como estava nossa vontade de não fazer a rotina não ficar entediante. Morno como assistir apenas os filmes da sessão da tarde. Morno como não gostar de banhar na chuva. Morno como escutar sempre as mesmas bandas. Morno como não acariciar um animal na rua. Frio.
Eu posei para você, fiz e representei minhas melhores versões, você me aquarelou e me deu asas. Eu retribui isso. Eu escrevi uma música com seu nome, eu escrevi uma música com você, eu escrevi uma música para você. Eu te dei asas. Eu cantava enquanto você pintava. Nós éramos artistas. Nós éramos a melhor dupla desajeita. As colegas de quarto. As colegas de apartamento. As "amigas". As colegas para a vida. Mas eu só tenho 23 anos. Ainda estou cheia de vida e saúde e você não está mais aqui. Eu canto em um vácuo e sou respondida por um eco. As cores desapareceram, as telas estão vazias e sem vida.
Eu sei, eu sei que o amor nos dá asas, mas volta pra casa. Volta pro nosso jardim composto de rosas e margaridas. Composto de músicas lentas e um pouco apaixonadas. Eu acendo velas se você precisar de calor. Eu sento na poltrona se você precisar de espaço. Eu estou aqui se você precisar de mim. Aqui tem tela se você quiser fazer traços. Aqui tem tinta e se quiser... aquarel(a-me).
Alyne Lima
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