quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Não digo que estar em multidão seja um erro. Digo que estar em solidão é, por vezes, necessário.


Foto do instagram: @meandadri


Não existe mais solidão. Somos diariamente embalados por uma euforia dilacerante que não escuta nada além do tique-taque do relógio e das turbinas cada vez mais evoluídas dos carros da geração. Não podemos mais sentar e tomar um café a tarde sem que se ouça o som incessante da televisão na sala. Não podemos mais ter uma conversa face a face, pois as faces estão viradas e vidradas para esse cubículo luminoso e convidativo. Não podemos mais lermos um livro na grama de um parque escutando o barulho dos pássaros. Aliás, onde estão os parques? Onde estão os pássaros? Onde estão os leitores? Onde está a solidão necessária para se auto descobrir nas profundezas do seu próprio eu? Onde estão as pessoas? Só vejo tags buscando a frenética multidão. Somos a era da multidão. Das vozes. Das festas. Da euforia. Do externo.

Não sabemos mais cuidar da nossa saúde mental, pois somos jogados a encontra-la em ambientes vazios. Você não vai se encontrar em uma balada às duas da manhã de um sábado à noite. Você vai se encontrar ao sair da sua rotina em uma terça feira nublada e ir visitar a sua avó que por muito esperou uma visita sua e um sorriso para dizer que está tudo bem. Você vai se encontrar ao rir de uma comédia romântica as oito da noite, hora que essa que normalmente estaria “assistindo” a vida de outra pessoa e imaginando o quanto seria bom ter uma bolsa da Louis Vuitton como ela. Você vai se encontrar ao ler aquele livro que já está empoeirado na estante ou tentar fazer aquela receita de bolo vegano que você sempre deixa para outra hora.

Não existe mais solidão, pois somos constantemente coagidos invisivelmente a participar dessa rede cibernética de inutilidade. Nunca resolvemos problemas com hashtags, mas continuamos postando para mostrarmos nosso falso ativismo. Nunca encaramos os verdadeiros problemas de frente, mas postamos memes para aliviar a parafernália que tem se tornado nossa vida. Postamos sobre saúde mental e nos afundamos em remédios para dores, mal sabendo que esses problemas poderiam ser resolvidos com um pouco de... como chama mesmo? Saúde mental. Saúde mental para conseguir sair para uma caminhada sozinho e apreciar a natureza. Saúde mental para organizar sua vida não perdendo tempo com a vida alheia ou problematizações chiques. Saúde mental para entender que você não pode mudar o mundo sozinho, mas você pode mudar o seu mundo, mudar o mundo ao seu redor e já ser o herói.

Você vai se encontrar, mas não nessa superficialidade que você tagueia no instagram, se classificando e se recortando para que outras pessoas também só vejam seus pontos positivos – afinal, quem quer ver nossos monstros? Você vai se encontrar, mas naquilo que você selecionou para que não seja visível, naquilo que você nega às uma da manhã, quando saturado de luz virtual e cafeína seu corpo exige descanso, naquilo que você só encontra quando está sozinho. Em solidão. Em solidão talvez você encontre um eu reprimido pelas pessoas que você poderia ser quando perdeu tempo sendo um Frankenstein de outras pessoas. Um ser bonito que aprecie o azul do céu sem a necessidade de picotá-lo em foto. Um ser bonito que use a memória para guardar um poema de Carlos Drummond. Um ser bonito que não finge ser feliz, mas que chora estar preso nesse cubículo temporal. Uma pessoa com heterocromia que carrega no olhar o ciclo vitalício de uma folha, e no coração uma esperança de que esse paradoxo de o mesmo que nos une nos repele seja passado.


Não digo que estar em multidão seja um erro. Digo que estar em solidão é, por vezes, necessário.


Alyne Lima

Instagram: @alyneblima e @umcafeemilrabiscos

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