segunda-feira, 4 de março de 2019

Reflexões:O poder da literatura como forma de resistência.


Após assistir A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata (The Guernsey Literary And Potato Peel Pie Society), filme original Netflix com roteiro baseado no livro de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, fiquei pensando em algumas coisas em especial: O poder da literatura como forma de resistência. 

No filme, Juliet Ashton (Lily James) é uma escritora na Londres de 1946 que decide visitar Guernsey, uma das Ilhas do Canal invadidas pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, depois que ela recebe uma carta de um fazendeiro contando sobre como um clube do livro local foi fundado durante a guerra. Após a guerra, os poucos habitantes da ilha britânica de Guernsey tentam retomar a vida, enquanto superam as perdas de entes queridos. A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata promove a união entre as diferenças como forma de superar as cicatrizes da guerra. 

A primeira coisa digna de realce é o contexto em que esse clube é criado: a Segunda Guerra Mundial. É fato que essa e todas as outras guerras são um momento de grande pressão e tensão social e extermínio de várias coisas que podem ser consideradas contrárias ao governo autoritário vigente, e uma dessas coisas são os livros. Livros de história e vários livros literários discutem essa passagem de aniquilação da biografia e da construção memorialística da sociedade, pra citar um livro próximo temos 'A Menina que Roubava Livros', de Markus Zusak.

O livro relata a  trajetória de Liesel Meminger  por uma narradora mórbida, que ao perceber que a pequena ladra de livros lhe escapa, a Morte afeiçoa-se à menina e rastreia suas pegadas de 1939 a 1943. A vida ao redor é a pseudo-realidade criada em torno do culto a Hitler na Segunda Guerra, que causa perplexidade até mesmo na narradora: A Morte, que diante da violência humana, dá um tom leve e divertido à narrativa deste duro confronto entre a infância perdida e a crueldade do mundo adulto. A obra foi e é um sucesso absoluto - e raro - de crítica e público e que transpassa ao leitor com toda a sensibilidade de uma criança as dores desse momento de conflito e tensão que foi a Segunda Guerra Mundial. E nessa narrativa, temos esse momento de presenciar essa chacina de livros e suas razões, o medo de que povo conheça suas raízes, suas histórias e ainda, se tornem, através da literatura, empáticos

Por muito, quando se estuda literatura se vê que o objetivo dessa é diferente do da história, pois, diferente da primeira, mostra os fatos como eles são, agindo de fora para dentro, já a literatura, tem o poder de agir de dentro para fora, ou seja, primeiro mexe com o interior do indivíduo, toca seu íntimo, para que assim, todo esse enternecimento mesmo que adquirido por uma psudo-realidade, se exceda ao outro, o que é chamado de empatia. A faculdade de compreender emocionalmente um objeto, projetar-se, se pôr no lugar do outro e sentir suas dores. 

Voltando ao filme A Sociedade Literária, temos uma passagem específica em que o personagem  Eben Ramsey (Tom Courtenay), comenta que eles "deixaram" os alemães invadirem novamente seus territórios, e ele se pergunta como isso acontece. Percebemos aqui que, mesmo tudo isso já tendo acontecido com eles, a sociedade via isso tão distante por conta do apagamento histórico e distanciamento dos livros literários que eles meio que acabam "permitindo" que essa opressão volte a eles e seja encarada como 'natural'. Assim, é notório que o corpo social não tem consciência histórica, e que essa ameaça se torna nítida apenas para aqueles que não se distanciam da leitura, da história, pois os livros tem esse poder de agirem de fora para dentro e mais, de dentro para fora. 

E uma personagem em específico do filme Elizabeth McKenna (Jessica Brown Findlay), que também faz parte do clube, interioriza tanto essa ideia de empatia que acaba colocando sua vida na frente de outras pessoas que ela nem conhece, mas sente a dor, o medo, e o sofrimento em meio a guerra. 

Em linhas gerais, a literatura foi uma forma de resistência para essas pessoas durante a guerra e torna-se uma maneira de se manterem vivas e lúcidas com as coisas que acontecem ao seu redor politicamente falando, além de que todas as benfeitorias desse hábito esplendido chegam às outras pessoas por meio de tentáculos tímidos, mas importantes na narrativa.  É fato que se mais e mais pessoas tivessem interesse pela literatura e vissem esse poder de transformação da arte, seja ela plástica, musical, visual, talvez, estaríamos menos fadados a repetirmos os mesmos erros do passado, sofrer retrocessos nos direitos humanos e na liberdade de expressão. No entanto, não é de interesse do governo que isso aconteça, temos que agir por nos mesmos. 

Alyne Lima

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