segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Sobre sucesso e rotatórias que a vida oferece

Vivemos em uma sociedade que nos exige certeza de nossa ambição profissional aos dezessete anos e, ainda, exige que sejamos dedicados o bastante para transformarmos essa escolha em um sucesso aos vinte e poucos e isso nos causa pressão, ansiedade e vários outros problemas psicológicos tão comuns no século XXI. Hoje, lendo Dom Quixote de Miguel de Cervantes, excelentíssimo autor espanhol, percebi algumas coisas dignas de nota em sua biografia. 

Primeiro, Cervantes dedicou-se grande parte da sua vida em combates para a defensão da Europa, era um guerreiro bravo, dedicado, corajoso, inclusive teve a mão decepada em uma dessas batalhas, no entanto, após tantos combates desiludiu-se da vida militar e engajou-se na literatura. Escreveu algumas obras ao mesmo tempo que aceitava outros cargos para garantir subsistência, foi Comissário Real e Coletor de Impostos, mas nesse último, por alguma má interpretação foi preso acusado de desvio de verbas. E só assim, começou a escrever sua grande obra: Dom Quixote.

Percebemos então que Cervantes, mesmo desde muito cedo demonstrando talento para a escrita de pequenos textos, se aventurou em uma carreira oposta e que podia tê-lo feito desistir de novamente retornar aos seus hábitos literários, mas que, na verdade, apesar dos pesares enfrentados e vividos, Cervantes acabou se utilizando dessas vivências para fortalecer sua escrita e, ainda, pegar uma rotatória na vida para seguir outro caminho- mesmo que ele estivesse fazendo sucesso aos vinte e poucos. Quando ele "desiste" dessa carreira de aparente sucesso, ele se joga em empregos menos renomados e, talvez, até menos remunerados na época e que o levou a ser - injustamente - preso. 

Fico pensando se em algum momento Cervantes se arrependeu de ter deixado sua carreira de aparente sucesso aos vinte e poucos, se se arrependeu de se desprender das amarradas e do julgo, mesmo que positivos, da Espanha daquela época. Penso ainda, antes, como ele simplesmente deu um basta na sua vida militar para se engajar em algo que ainda estava muito incerto que era sua carreira literária. Mas ele optou por essa rotatória, por esse novo caminho que o levou à sarjeta. 

No prólogo de seu livro, Miguel de Cervantes se mostra bastante preocupado em se assemelhar ao também escritor Lope de Vega, um dramaturgo que fazia muito sucesso na época e que, de certa forma, ofuscava as coisas escritas por Miguel. Ao finalizar a escrita de Dom Quixote, além de não considerar sua obra como magnífica, Cervantes ainda queria seguir certos passos de Vega. A forma como ele introduzia o livro com poemas e sonetos, como fazer um epigrama criativo ou ganhar elogios dos filósofos da época. Percebe-se que Cervantes estava inseguro do fracasso, da derrota, tudo isso porque se comparava, não era uma troca, não era um diálogo, não era uma inspiração, era uma coisa que o atormentava: não ser tão bom, tão completo como Lope Vega. 

O que me chama a atenção é que apesar das inúmeras indecisões e talvez noites em claro que Cervantes passou tentando fazer uma obra memorável, crítica, criativa, e todas as inúmeras coisas positivas que Dom Quixote representa, valeram à pena. E que, talvez ele não precisasse demandar tanto tempo de sua saúde  mental para se assemelhar a alguém que poucos conhecem hoje, mas não prevemos o futuro, é claro.

Além disso, é necessário ressaltar que Cervantes não ficou conhecido no mundo inteiro por sua bravura, coragem e irreverencia no campo de batalha, claro que: foi um aprendizado, foi importante, mas o que ele fez aos vinte e poucos fazia parte do processo da bagagem necessária para fazer uma obra genial aos cinquenta e oito iniciada em um cárcere e que faz sucesso em todo o mundo e foi eternizada pelo cavaleiro da triste figura e seu leal escudeiro. 

Então, só fazendo um paralelo disso tudo com a nossa vida: não precisamos saber de tudo aos dezessete, não precisamos ser um sucesso aos vinte e poucos e sempre podemos contar com as múltiplas rotatórias que a vida nos oferece. Não precisamos  nos prender, nos forçar a fazer algo para o resto de nossas vidas, precisamos fazer aquilo que nos faz bem, no momento que nos fizer bem. E isso é ter sucesso: Entender nosso tempo. Aproveitar a jornada, pois ela é mais importante que o destino.

Alyne Lima

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