terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Tudo que poderíamos ter sido e não fomos.

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Sentamos na beira do lago com nossos pés, calçados apenas com meias, juntos. Ela abriu a boca de leve e assoprou o vento para que fizesse fumaça no frio. Aquele foi nosso último momento juntos, tentei fazer um retrato daquela cena em minha mente. Seus cabelos cacheados um pouco desgrenhados pelo vento, seu moletom preferido surrado e sua meia listrada de tons de rosa. Ela estava serena, mas eu sabia que sua mente borbulhava euforicamente por conta da viagem que faria ao amanhecer do outro dia.

E eu não poderia impedi-la, eu não poderia pedir para que ficasse mesmo que minha primeira vontade fosse abraçá-la forte e dizer que esse lugar minúsculo fazia sentido por tê-la ao meu lado. Eu sempre soube que ela não era de ninhos, bandos e companhias permanentes. Ela era de fases, incansável, e já tinha ficado tempo demais aqui. Ela pernoitou, enquanto eu alçava morada em seu coração, criava planos de andar o máximo desses quilômetros permitidos segurando sua pequena mão. Ela pernoitou, e ia sair de madrugada na ponta dos pés para que eu não notasse sua partida, mas eu veria, eu estaria de silencioso vigia quando ela batesse de leve a porta e sentisse a brisa fria e agradável da liberdade, deixando-me amarrado por correntes invisíveis e imaginárias, criando muros que me privaria de toda a imensidão daquilo que chamavam de vida. 

Eu acho que nunca soube o que era viver. Não do jeito que ela falava de escalar montanhas e saltar de paraquedas. Não do jeito que ela me contava ao me mandar os cartões postais. Até desistir de manda-los por não receber respostas decentes ou emocionantes a altura. Ou até conhecer Arthur, quando decidiu fazer um mergulho no norte do país, e me afogar em sua memória. “Eu me afoguei”. Quis mandar em um cartão postal para ela, mas a esferográfica não escrevia mágoas entalas na garganta. Aquele foi o último. O último papel que usei para lhe escrever. A esferográfica permanecia na mesa esperando que as palavras fluíssem, mas minhas mágoas só meu violão de sertanejo sabia entender. Cantava baixo. Andava lento. Morria aos poucos. 

A vida nunca se preocupa com quem a vive ou não, mas a morte está sempre à espreita, batendo à porta e esperando qualquer tropeço para te chamar para a dança. Mas eu nunca soube dançar. Eu ia aos bailes e observava a dança de outras pessoas. Meus vizinhos dançaram com a febre. O padeiro com a pneumonia. Dona Valentina dançou lentamente com o que eles prometiam ser o mal do século, o câncer. E eu fiquei sentado com a solidão, observando pessoas com a pele menos enrugada chegar para danças mais agitadas. 

Meu cabelos embranquecidos e ralos, faziam jus ao velho miserável que havia me tornado. Sem histórias para contar aos netos, sem netos, sem filhos, sem esposa... só uma lembrança dela, seus cabelos cacheados e sua meia listrada de tons de rosa. Só um garoto de 17 anos que ficava atrás da porta como um silencioso vigia esperando que ela chegasse no meio da madrugada dizendo que queria fazer morada, que queria viver dentro dos nossos quilômetros permitidos, que tudo fora um erro. Só um nonagenário capenga aceitando que o erro foi ter medo de viver, de lutar pelo amor e de morrer com palavras entaladas na garganta. Espero que Arthur não tenha feito o mesmo. 

Enquanto espero a hora da minha dança, imagino tudo que poderíamos ter sido e não fomos.

Alyne Lima
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