Sobre ter alma de artista....

Meu pai queria que eu trabalhasse com números, cursasse administração e tivesse o mínimo de senso lógico para cuidar de um negócio. Claramente isso nunca aconteceu. Eu sempre fui traumatizada com os números, o resultado 4 que não fosse possibilitado pela soma de 2 + 2 já era irremediavelmente desinteressante e complicado. Não desmerecendo quem ama matemática, e tem essa inteligência lógica, acho lindo até, mas não é pra mim. Eu sempre fui das artes. Das letras, das cores, da música, dos quadros, da dança, do teatro, do cinema... Às vezes podemos parecer perdidos quanto a vida e afirmar que não temos dom, não temos grandes interesses e inteligências específicas, mas se pararmos bem para reparar, são nos pequenos detalhes que mostramos o que mais nos encanta, e quando aceitamos isso de corpo e alma talvez fique até mais fácil escolher um curso "obrigatório" nesse mundo capitalista. 

Eu, infelizmente, não tenho o dom para realizar o canto, a pintura, e o desenho, são técnicas que não me vieram de bom grado e que se eu quisesse adquiri-las precisaria de anos a fio de práticas, cursos e aulas que poderiam até mesmo tirar a beleza que tem por trás dessas artes. Então... sigo escrevendo. Não é que para escrever não precise de técnicas, desenvoltura, facilidade, mas é que essas palavras transpassam da minha pequena grande cabeça para o papel em forma de paz, alívio, sorrisos e lágrimas que precisam, por vezes, serem exteriorizadas para que meu eu entre em equilíbrio. E acredito que seja isso que acontece com a pessoa que pinta, que canta, que encena, que dança, que desenha. 

Escolher ser artista, não só no mundo atual, é muito complicado, pois o artista se mostra de uma forma escancarada, ele expõe sua alma no palco e espera que tenha pessoas do outro lado para recebê-lo, jogar pedras ou ovaciona-lo. É o mesmo que ficar nu para ser analisado por pessoas que podem não compreender suas imperfeições ou que podem não estar nem aí para seu corpo disforme. Mas já é um grande problema ficar nu. Conhecemos toda a história bíblica da nudez e é exatamente isso que a arte faz com o artista e que, paradoxalmente, o artista precisa ser feito pela arte, ele precisa se mostrar e encarar. Ele precisa se mostrar mesmo que fique guardado em uma gaveta, ou que fique pendurado na parede do próprio quarto ou que não tenha alguém tão disposto do outro lado da tela para ler porque é grande demais ou para sentir porque é abstrato demais. 

O artista se contenta com pouco: algumas moedas, um comentário positivo, um sorriso que mostre um pouco de: "É isso aí, cara", porque o artista já transborda pela própria arte. Acredito que são pouquíssimos artistas de rua (e como existem no mundo todo) que realmente precisam daquele dinheiro para se manter. Mas acredite, aquele dinheiro muitas vezes colocado como "Fica na rua jogando bolinhas pra cima, pedindo esmola, mas trabalhar que é bom..." ou "Ai, mais uma moeda de um real perdida para outro vagabundo" , é um consolo para uma alma que resolveu se escancarar bem no meio da movimentada rua de alguma avenida. Inconpreendido.

Nós artistas (me incluo embora seja pequena nesse meio) somos mendigos, e às vezes, temos sorte por encontrar alguém que nos estenda a mão. Se muitas pessoas fizerem o mesmo você pode viver de alma escancarada. Se não for o caso, sua mãe ainda terá um desenho seu na parede da sala. E o importante é transbordar em arte mesmo, não é?

No seu livro "Grande Magia - Vida Criativa Sem Medo", Elizabeth Gilbert traça fatos importantes sobre como encarar a grande magia que é ter o dom de produzir arte e também a aceitar essa divindade de forma desconpromissada e leve para que o seu artista interior não fique inibido. Uma de suas falas que achei interessante e que pode servir para outros: "Em vez disso, simplesmente jurei ao universo que escreveria para sempre, independentemente do resultado. Prometi que tentaria encarar a escrita com coragem, gratidão e o mínimo de reclamação possível. Também prometi que nunca pediria à escrita que cuidasse de mim financeiramente, mas que eu sempre cuidaria dela, no sentido de que faria o que fosse preciso para sempre sustentar nós duas. Não pedi nenhuma recompensa externa por minha devoção. Só queria passar o resto da vida o mais perto possível da escrita, daquela fonte de toda a minha curiosidade e satisfação. 

Para isso, estava disposta a fazer o que precisasse para sobreviver." 

Na verdade, esse livro me ajudou de n's formas, parecia que alguém me compreendia ali do outro lado e sim, indico esse livro.

Então, de fato somos almas escancaradas e mendigas, que saem por aí transbordando e  que esperam alguém que compreenda. Mas ainda segundo Elizabeth Gilbert: "Quando é por amor, fazemos de um jeito ou de outro."

                                                                                                                         

                                                                                                                     Alyne Lima

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