domingo, 5 de fevereiro de 2017

Eu te eternizei em palavras...

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Éramos mesmo muito jovens, na verdade eu  não conhecia ainda a definição de adulto. O que é ser um adulto? Quando de fato nos tornamos um? Quando somos financeiramente independentes? Quando saímos da casa de nossos pais mesmo ainda não sendo totalmente independentes? Quando fazemos nossa primeira viagem sozinhos? Quando temos o primeiro filho? Quando casarmos? Quando ficarmos de porre pela primeira vez? Quando temos contas para pagar?

Ok, vamos para a definição do dicionário, significado da palavra adulto: 1 - Que já está em idade compreendida entre a adolescência e a velhice; (certo, isso tínhamos, embora, ainda cheios de espinhas) 2 - Que já atingiu todo o desenvolvimento. Quem na vida já atingiu todo o desenvolvimento? Quem algum dia chegou em casa depois de um longo dia de trabalho, ou depois de uma relaxante corrida matinal, sentou na poltrona da sala e se considerou adulto por ter atingido todo o desenvolvimento. Tudo bem, podemos ter chegado ao ápice do nosso desenvolvimento corpóreo,  e já tínhamos isso naquela época, mas ser adulto é só isso? 

Enfim, éramos muito jovens quando resolvi te usar como inspiração para os meus textos, eu descrevi seu sorriso,  fiz rima com seus passos, poetizei sua risada,  coloquei melodia e muita ilusão na nossa história, o que seria da arte sem as tragédias e as peripécias. O que eram infinitos sim's, logo se tornaram despedidas cada vez mais rápidas e distanciamentos cada vez mais longos, beijos secos e faces molhadas, nesse último caso, só a minha. 

Mas eu te eternizei em palavras. Não estava mais presente de corpo, alma e calor, mas ainda era lírico, poético, melódico, continha rimas ABAB e uma pessoa que apesar da face molhada te esperava voltar... Mas você não voltou. Mesmo depois de sair da casa dos seus pais e ficar noites fora, mesmo depois de tomar seu primeiro porre com seus novos amigos e nem mesmo quando se tornou financeiramente independente, viajou sozinho e construiu sua nova casa do outro lado do mundo, porque era mais agradável aos olhos, talvez. A questão foi: você não voltou, mas sempre esteve aqui. Malditas palavras. 

Eu fiquei? Sim! Continuei escrevendo, registrando a vida e relendo velhos poemas. Terminei a faculdade, me casei, ele era bacana, solidário, quieto, mas não gostava nenhum pouco de caminhadas matinais, se entediava na primeira página do meu livro preferido que, por coincidência também era o seu livro preferido naquela época, e não fazia comentários profundos sobre as minhas poesias, no máximo algo como: "bem legal", sim, eu registrei isso em um poema e ele nem deu a mínima também, aquele poema foi um grande protesto contra aquele hábito de conversas quase monossilábicas e ele disse: Puxa! (arqueou a sobrancelha) Bem legal! Mas tudo bem. Tínhamos dois filhos, uma casa moderna e um casamento estável. O que me permitia escrever e reinventar aquele nosso final.


Ainda lembro a vez que me levou um buquê de pequenos girassóis com um cartão colorido, já se passaram dez anos e eu ainda lembro que nesse dia você usava um all star azul e uma camisa de sua banda favorita. Será que ainda é sua banda favorita? 

Ainda lembro da vez que me buscou na escola com sua bicicleta de segunda mão e segurou minhas mãos quando resolvemos atravessar o riacho para ir a cachoeira no final da tarde.

Sim, eu ainda lembro quando foi embora aos 17 e me mandou um cartão postal aos 20 falando que andar de trem era bom e voar de asa-delta maravilhoso.  

E lembro exatamente da tarde do dia 17 de maio quando prometeu ligar às 20 e não ligou. Não ligou mais. Mudou de endereço. De telefone. E de amores. 

Me casei um ano depois. No dia 17 de maio. Um recomeço na vida. Ou não.

Estou estagnada. São as palavras. Elas te eternizaram. Já queimei alguns poemas, Tenho boa memória. As lembranças são as cinzas. Assim como a minha vida tem sido.

Eu sou jovem. Eu sei.

Alguns nascem para amar. E morrer de amor.

Você tem olhos verdes, pele de amêndoas...

Você tem a vida pela frente.

Eu tenho dois filhos e um marido quase monossilábico.

Vou pegar meus filhos na escola.

Deixei um bilhete e a aliança circulando a palavra "adeus"

Este é o último poema que escrevo e o último que contenha lembranças suas que queimarei. 

Eu te eternizei em palavras. Mas não quero que seja eterno na minha vida, lugar que você foi passageiro.

Por favor, entenda.

Eu também sou jovem e tenho a vida toda pela frente. 

Sempre sonhei em pular de asa-deltas...

Depois escrevo essa experiência...


                                            Alyne Lima
Para mais textos siga no instagram: @alyneblima


4 comentários:

  1. Uai! Que carta, agora me diz uma coisa, dizem que todo escritor escreve um pouco de si, conta aí, quem te inspirou? Rsrsrsrs. Perfeito!

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    1. Deixo essa frase filosófica e poética:
      O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.

      Deixo no ar kkkkk

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