E eu não poderia impedi-la, eu não poderia pedir para
que ficasse mesmo que minha primeira vontade fosse abraçá-la forte e dizer que
esse lugar minúsculo fazia sentido por tê-la ao meu lado. Eu sempre soube que
ela não era de ninhos, bandos e companhias permanentes. Ela era de fases,
incansável, e já tinha ficado tempo demais aqui. Ela pernoitou, enquanto eu
alçava morada em seu coração, criava planos de andar o máximo desses
quilômetros permitidos segurando sua pequena mão. Ela pernoitou, e ia sair de
madrugada na ponta dos pés para que eu não notasse sua partida, mas eu veria,
eu estaria de silencioso vigia quando ela batesse de leve a porta e sentisse a
brisa fria e agradável da liberdade, deixando-me amarrado por correntes invisíveis
e imaginárias, criando muros que me privaria de toda a imensidão daquilo que
chamavam de vida.
Eu acho que nunca soube o que era viver. Não do jeito que ela
falava de escalar montanhas e saltar de paraquedas. Não do jeito que ela me
contava ao me mandar os cartões postais. Até desistir de manda-los por não
receber respostas decentes ou emocionantes a altura. Ou até conhecer Arthur, quando
decidiu fazer um mergulho no norte do país, e me afogar em sua memória. “Eu me
afoguei”. Quis mandar em um cartão postal para ela, mas a esferográfica não
escrevia mágoas entalas na garganta. Aquele foi o último. O último papel que
usei para lhe escrever. A esferográfica permanecia na mesa esperando que as
palavras fluíssem, mas minhas mágoas só meu violão de sertanejo sabia entender.
Cantava baixo. Andava lento. Morria aos poucos.
A vida nunca se preocupa com
quem a vive ou não, mas a morte está sempre à espreita, batendo à porta e
esperando qualquer tropeço para te chamar para a dança. Mas eu nunca soube
dançar. Eu ia aos bailes e observava a dança de outras pessoas. Meus vizinhos dançaram
com a febre. O padeiro com a pneumonia. Dona Valentina dançou lentamente com o
que eles prometiam ser o mal do século, o câncer. E eu fiquei sentado com a
solidão, observando pessoas com a pele menos enrugada chegar para danças mais
agitadas.
Meu cabelos embranquecidos e ralos, faziam jus ao velho miserável que
havia me tornado. Sem histórias para contar aos netos, sem netos, sem filhos,
sem esposa... só uma lembrança dela, seus cabelos cacheados e sua meia listrada
de tons de rosa. Só um garoto de 17 anos que ficava atrás da porta como um
silencioso vigia esperando que ela chegasse no meio da madrugada dizendo que
queria fazer morada, que queria viver dentro dos nossos quilômetros permitidos,
que tudo fora um erro. Só um nonagenário capenga aceitando que o erro foi ter
medo de viver, de lutar pelo amor e de morrer com palavras entaladas na
garganta. Espero que Arthur não tenha feito o mesmo.
Enquanto espero a hora da minha dança, imagino tudo que poderíamos ter sido e não fomos.
Alyne Lima
Instagram: @umcafeemilrabiscos
@alyneblima
Facebook: Um Café e Mil Rabiscos
Nenhum comentário:
Postar um comentário