São raras as coisas que,
atualmente, tem o fim em si mesmas. O mundo cada vez mais nos exige um retorno
prático e, se possível, lucrativo de tudo aquilo que fazemos. Criando seres
humanos cada vez mais bitolados na necessidade produtiva, além de competitivos
e depressivos, por motivos óbvios. Tentamos, por exemplo, cada vez mais,
otimizar nosso tempo, fazer com que 24horas dê conta das infinitas coisas que o
próprio meio nos impõe. Coisas como fazer uma atividade física (crossfit, yoga,
pilates) ou estudar, no mínimo, seis horas por dia fora da escola, para estar
no ranking de inserção do padrão fordismo educativo e, ainda assim, dormir oito
horas por dia, porque “estudos apontam que isso é importante”.
Tendo em vista esse mundo que te
cobra algo em retorno, não podemos mais simplesmente viver segundo bem entendemos,
já que, por mais que você faça uma coisa só por fazer, mesmo que seja uma coisa
consideravelmente boa, se não for prático, não vale para o mundo, e
consequentemente, não vale nada.
Um exemplo bem claro disso é a
leitura. A leitura ao longo de toda sua história já era uma atividade
elitizada, logo, uma atividade rara, cara, digna de intelectuais. Porém, mesmo
com o amplo acesso da literatura para as classes mais baixas, ainda é vista
como “atividade intelectual” e mais: cansativa, sonífera, sem graça... não
entraremos nos porquês disso, mas isso foi só para deixar claro que: a
literatura, a leitura, sempre foram atividades apreciadas e valorizadas em seu
campo restrito, porém, por terem o fim em si mesmas, não são bem vistas pelo
mundo prático. Você gosta de ler? Legal, mas qual é a diferença que isso faz no
mundo?
Na escola, por exemplo, ambiente
já competitivo por natureza, somos diariamente encorajados a sermos melhores
que nossos futuros concorrentes. Mas ser melhor aqui, não quer dizer em sentido
emocional, ou reflexivo, ou crítico. Porque é melhor que você nem pense. Só aja
como se toda aquela sincronia de coisas imperfeitas fosse natural e que, acima
de tudo, seja o máximo possível auto ditada, afinal, eu dou aula em três
escolas, com 40 alunos cada!
Cinco alternativas, uma resposta
certa. Cinco alternativas, uma resposta certa. Cinco alternativas, uma resposta
certa. Chegue às sete. Sente na fileira. Olhe eternamente para a nuca do seu
colega da frente. Só sinta vontade de urinar no segundo e no quinto horário.
Tire 1000. Curse medicina. E seja infindavelmente hipoteticamente feliz. Ah... e bem lembrado. Ame matemática. Pois na
escola os considerados “nerds” devem, OBRIGATORIAMENTE, serem bons em
matemática, física, química... Caso contrário, você é, no máximo, um burro desinteressado
que só quer saber de sentar no fundo e conversar. Não importa se você lê 100
livros no ano, assiste vários documentários e consegue debater vários assuntos
com solidez. Você é burro. Fim.
E assim, mais uma vez, uma grande
mente foi jogada no lixo à custa da necessidade produtiva, prática e numérica vigente
no mundo.
Mas... pelo menos formamos muitos
médicos, muitos advogados, muitos agrônomos... certo? E em qualidade? Quantos
médicos ou estudantes de medicina passam horas acordados de plantão por amor à
profissão, às pessoas, à vida e não ao dinheiro ou as amarras do “Não posso
voltar atrás por ser tarde demais”? Afinal, são longos anos de graduação e
especializações para serem jogados no lixo em busca de um recomeço em algo que
não tenha tanto prestígio. E aqui jaz um índice de pessoa amarguradas, tristes,
depressivas e ricas, quem sabe.
Mas vamos falar dos problemas psicológicos
em alunos de Letras também, por que não? Por que não falar que NINGUÉM LIGA SE
VOCÊ FAZ LETRAS, ninguém liga se “você vai cuidar de filhos dos outros”, ninguém
liga se você também estuda o dia todo, se você se esforça, se você acorda cedo
para estudar mais, afinal... você faz Letras. Você vai ganhar pouco porque no
Brasil não valorizamos o conhecimento por si mesmo, pois ao invés disso criamos
robôs que tiram 1000 em redação, porém, não sabem o significado da palavra
respeito. Não sabem que por trás daquele ser humano ministrando aulas e lutando
para que ele seja o mais novo ingressante no ensino superior existe uma mãe ou
um pai, um filho, um ser humano que também estudou muito. Mas como é mesmo? “Quem
não sabe ensina”. Quem não sabe ser prático, quem não cura doença, não resolve
problemas, quem não faz novas descobertas mirabolantes... não tem valor, mas
ensina.
Perdemos pessoas pela falsa
educação, pela supressão e intimidação de ideias, pela imposição de profissões,
pela discriminação das artes e pela depressão provocada por tudo isso.
Alyne Lima
Instagram: @alyneblima
Facebook: Um café e mil rabiscos
👏👏👏👏
ResponderExcluirTriste...
ResponderExcluirRealmente triste, essa realidade.
ResponderExcluirMas vamos deixando nos engolir pelos padrões, sem questioná-lo, ou ao menos compreendê-lo.
Em 2010 divaguei sobre isso, variando no mesmo tema. Compartilho aqui: https://deriva-pi.blogspot.com.br/2010/08/protagonismo-ou-figuracao-escolha-e.html