segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Resenha Crítica “De onde eles vêm”, de Jeferson Tenório

Autor: Jeferson Tenório

Editora: Companhia das Letras

Ano: 2024

Páginas: 208

 “De onde eles vêm” é a mais recente obra de Jeferson Tenório, autor vencedor do prêmio Jabuti de 2021 pelo livro “O avesso da pele”; ambas as obras foram publicadas pela Editora Companhia das Letras, e ganham cada vez mais espaço no universo literário e acadêmico devido à sensibilidade elaborada e, com certeza, vivenciadas pelo próprio autor para abordar temas como o racismo e o fracasso de uma sociedade capitalista. Tenório, oriundo do Rio de Janeiro e radicado em Porto Alegre, é doutor em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e possui outras duas obras literárias publicadas “O Beijo na Parede” (2013), pela Editora Sulina e “Estrela sem Deus” (2018), pela editora Zouk.

O enredo se passa no Sul do Brasil, mais precisamente em Porto Alegre, e por meio de uma narrativa linear, mas com cenas retrocessivas, Joaquim narra suas vivências negras na cidade que no ano de 2022 segundo dados da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI), registrou aumento de 132% de denúncias contra o racismo em relação ao ano anterior. Adicionalmente, é interessante – e lamentável – pontuar o racismo sofrido pelo próprio autor, nesse ano de 2024, em uma abordagem policial no Parque da Redenção, em Porto Alegre, sendo esse, por sinal, o tema de sua obra premiada, anteriormente mencionada.

Já nas primeiras páginas do livro temos uma lembrança do personagem Joaquim quando com dez anos, ele e sua mãe se veem sem rumo, sem casa onde morar e buscando alternativas diante da pobreza que persistia mesmo após as oito horas diárias de serviço. E é essa sensação amarga de falta de possibilidades, que perpassa toda a narrativa, que causa incômodo, como se a vida transcorresse de maneira dispersa e as personagens estivessem ali como passageiros de um ônibus lotado de trabalhadores às cinco da manhã, fazendo girar uma máquina que não possibilita a ascensão social de pessoas negras e pobres: “Não era possível que a síntese da minha vida fosse um ônibus lotado em meio a um calor insuportável de verão” p.8

No entanto, como uma quebra dessa visão, no presente da narrativa, Joaquim lembra dessa cena com a mãe enquanto ele apresenta pela primeira vez um poema autoral na universidade de Letras para seu professor, Moacir Malta. E após ler o poema, dando o máximo de si: “Comecei a ler, pausadamente, porque queria que todos compreendessem o significado de cada palavra e seus encadeamentos” p.6, Joaquim recebe elogios dos colegas e do professor, e esse acrescenta que o poema lido era “uma luta física pela permanência do passado, como se este pudesse ser conservado nos desejos” p.6, e ainda, faz uma comparação do título com um poema de Fernando Pessoa, mas o leitor não tem acesso ao poema para também analisá-lo.

No próximo ponto, é revelado ao leitor que Joaquim entrou na universidade aos 24 anos, pelo sistema de cotas, logo, a obra possui como pano de fundo o ingresso dos primeiros cotistas nas universidades brasileiras e é nesse cenário que ocorre o despertar racial de Joaquim, que começa a perceber as profundas desigualdades e os abismos vivenciados por ele e pelos seus colegas de classe que são majoritariamente brancos. Apesar disso, o personagem mantém o desejo de ser um escritor reconhecido e espera que esse curso o ajude a devolver a escrita, bem como, suas habilidades de interpretação, porém, muitos percalços são encontrados: “tudo que posso dizer é que quase fui vencido pela burocracia” p.7.

O autor, em entrevista, já mencionou que não busca com o romance discutir o processo das cotas, e sim, como a trajetória dos personagens negras se desencadeiam nesse ambiente após a Lei de Cotas (12.711/2012), e como essa desorganizou um espaço de poder e oportunidades até então dominado pelas elites. Por esse motivo, a medida em que os fatos se desenrolam, os modos de intersecção de uma multiplicidade de temas podem ser encontrados em alguma parte do livro. Cada palavra, cada movimento e gosto do personagem, além de suas relações de amizade e amorosas nos contam sobre uma determinada situação, de um tecido social tenso, frágil, mas imprescindível para entendermos a complexidade das vivências ali dinamizadas.

De maneira mais ampla, é possível observar o desencontro intelectual de Joaquim com as leituras que são impostas pela universidade. Diversas obras e autores como Ulisses, Aristóteles, Odisseia, são recomendadas, mas parecem não fazer muito sentido ou contribuir significativamente para as reflexões de Joaquim na sua própria escrita. Desse modo, é necessário ressaltar que quando uma universidade propõe uma grade curricular eurocentrada ela propõe uma “prisão”, isto é, autores que estão dentro não saem – comumente chamados de clássicos – e autores que estão fora dificilmente entram, instaurando assim o que se nomeia como cânone: “Ulisses era um personagem muito distante do que eu entendia como literatura naquele momento” p.99

Elaborando esse conceito, trazemos a abstração que Tomaz Tadeu da Silva faz no seu livro Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo, dizendo que “é através de um processo pedagógico que permita às pessoas se tornarem conscientes do papel de controle e poder exercido pelas instituições e pelas estruturas sociais que elas podem se tornar emancipadas ou libertadas de seu poder e controle” (TADEU, 2016, p.54). Partindo dessa premissa, o que podemos presenciar a partir de muitos dos currículos universitários é essa tentativa e auferimento de controle à hegemonia branca, nessa perspectiva, fica evidente a dificuldade que Joaquim enfrenta de se identificar com as disciplinas e com as discussões que são feitas em sala de aula, mas que ele – e outros colegas negros – opõem-se e buscam caminhos para aos poucos reverter essa situação.

Outro ponto de análise, que apesar de não ser um ponto alto do livro é um elemento crucial para a mudança de percepção de Joaquim sobre si mesmo, são as religiões de matrizes africanas como potencializadoras. Assim, ao presenciar de diversas maneiras a opressão, o racismo, as desigualdades sociais, etc. o personagem entra em um limbo, como se ele tivesse perdido o encantamento de si. No entanto, por meio da religião de matriz africana ele reencontra o elo com os seus e revifica suas potencialidades pela ancestralidade, e isso o impulsiona a caminhos antes inimagináveis. É como se quanto mais você – negro – se aproximasse de coisas que te distanciam do seu eu negro, mais você estivesse fadado ao fracasso. Por esse motivo, se distanciar da universidade é uma alternativa para Joaquim em determinado momento na narrativa, mas o retorno é possível após o reencontrar-se.

Além desses pontos específicos, que envolvem a universidade e o ser negro em si, a relação de Joaquim com a avó e a tia desdobra-se por todo o livro. Avó, já bem de idade e com lapsos de memória, em muitos momentos é vista como um fardo a ser carregado pelo personagem, que cuida dela junto com a tia-avó que também já está em idade avançada, mas continua se dedicando ao serviço de doméstica em casas alheias. Mas ao final da narrativa é perceptível a mudança de visão de Joaquim sobre a avó: “Minha avó era um boabá, cujas raízes brotavam em mim. A ancestralidade era um desejo terno de envelhecer” p.185

A realidade é que “De onde eles vêm”, tece uma narrativa que evoca a máxima de Conceição Evaristo “A nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande e, sim, para acordá-los de seus sonos injustos”, pois evidencia o paralelo da literatura como ideal elitizado, isto é, que evoca a imagem de um leitor deitado no sofá apenas por abstração; em contraste com a ideia da literatura como dissentimento, como mencionado pelo próprio personagem “Quando você lê, viver de maneira harmônica com o mundo é impossível. A impressão que estamos em constante desacordo com a realidade” p.152. Nesse sentido, a literatura de autores negros não visa – em sua maioria – ser aconchego ou passatempo, muito pelo contrário, tem a urgência de retratar e colocar em pauta inconformidades da contemporaneidade.

Concluindo, “De onde eles vêm” focaliza o medo da elite branca de perder espaços dentro da estrutura de poder das universidades públicas do Brasil. Em análise, a Lei de Cotas vigente a mais de vinte anos, já destaca casos bem sucedidos dessa política, assim, diversas pesquisas mostram que o desempenho acadêmico de cotistas é muito similar ao de não cotistas. Com base nisso, o “para onde eles vão” se torna um eco de esperança, para que esses acadêmicos e intelectuais negros concluintes das universidades públicas ocupem outros espaços de poder e a estrutura eurocentrada se desestabilize, também, em outros âmbitos.

 

Não é permitida a reprodução desse material sem a permissão da autora

 Texto escrito por Alyne Barbosa Lima, doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Tome cuidado com o vazio de uma vida ocupada demais

 "O que decidimos fazer como todo tempo e energia que fomos capazes de inventar para nós mesmos?", é um dos questionamentos feitos no livro "Ponto de equilíbrio" da autora Christine Carter, lançado em 2016 pela editora Sextante. Esse livro tem a proposta de nos fazermos refletir sobre como manter o nosso equilíbrio, no meio de tantas coisas que temos que equilibrar, como trabalho, estudo, atividades físicas, e demais afazeres como: cuidar dos filhos, resolver pendências, e tudo isso sem nos desfazer as coisas que gostamos de fazer, ler um bom livro, tirar um cochilo, caminhar ao entardecer.

Eu ainda não concluí a leitura, mas já prevejo que será um daqueles livros que grifarei e aprenderei bastante, pois ele traz coisas que quero realmente incrementar e encontrar na minha vida: a amenidade (tem texto sobre isso aqui no blog), a calma, no meio da pressa que o mundo moderno nos coloca, essa necessidade de ser sempre acelerado para dar conta de tudo, essa vida cheia de pressão e constantes lutas com compromissos familiares e profissionais. 

A autora diz que: "Os mesmos dispositivos que, nos dias de hoje, facilitam a nossa vida também nos fazem trabalhar mais.". E isso parece - e é - óbvio - afinal, quem já não se pegou respondendo mil e-mails ou mensagens de WhatsApp do trabalho antes ou além do seu horário de serviço, e quanto essas mensagens influenciam em todo o nosso dia, no nosso humor, na nossa energia dependendo do seu teor e conteúdo, mas mesmo assim, continuamos deixando nos engolir por essa torrente de mensagens.

É verdade que as novas tecnologias poupam tempo, e às vezes isso nem importa muito, pois preenchemos esse "novo" tempo de formas que não aumentam nem nossa produtividade nem nossa felicidade. E assim, entramos nesse paradoxo. 

Quantas vezes nos deparamos pensando ou desejando uma vida mais tranquila? Poder parar e conversar com o vizinho, brincar com o cachorro e apreciar a alegria dele (sem estar ao mesmo tempo no telefone), desfrutar de finais de semanas inteiros com sua família ou com seu companheiro, lendo por puro prazer, dentre outras atividades que nos tiram dessa roda-viva.

Uma frase que tenho gostado bastante ultimamente é a seguinte: "Tome cuidado com o vazio de uma vida ocupada demais", coloquei ela como papel de parede do meu computador, pois eu sou dessas pessoas que utilizo a agenda tecnológica para amontoar coisas para fazer, quanto mais minha agenda do Google tiver apertada e colorida com afazeres vários e diversos eu me sentia/sinto: melhor, mais produtiva, mais competente (?)

Até que chegou um momento do ano que eu só quero amenidades, e as coisas que mantém minha roda funcionando são as únicas que coloco na agenda. E tudo bem. 

Eu sei que chega momentos do ano que, com os afazeres obrigatórios, somos mesmos engolidos. O planejamento sai do controle, nossa vida vira de cabeça pra baixo, mas quantos desses compromissos você cria? quantos deles são totalmente dispensáveis, mas é melhor deixar ali para mostrar para os outros que fez? Sua energia e seu tempo valem isso?

Fazer um intervalo é uma maneira de aumentarmos o nosso poder cerebral, e muitas vezes não damos valor a isso, ou encaramos como anti-produtivo. É preciso deixarmos para trás coisas que nos sobrecarregam, como o toque constante no smartphone (o que tenho tentado desde a última semana de novembro desse ano, ficando, no máximo, uma hora por dia no Instagram) , cultivar relacionamentos e vínculos com outras pessoas, fazer exercícios, etc. 

Então, qual a melhor forma de transformar exaustão, ou ansiedade, em energia produtiva? Intervalo, pausa... Nossa exaustão não é um troféu da nossa capacidade de tolerar o estresse, como marca de caráter. Trabalho focado não é o mesmo que trabalho interminável. É preciso dizer o óbvio: somos humanos, e não máquinas. Temos que aceitar o ritmos normais do corpo.

Carter diz, e eu concordo, que: "às vezes, pessoas esforçadas e competentes sentem culpa quando as coisas ficam fáceis (...) Se não está difícil será que estou mesmo trabalhando? Se não estou trabalhando, eu valho alguma coisa?". Muitas vezes já me peguei com esse sentimento de culpa, principalmente nessa época do ano que as aulas, reuniões, palestras diminuem drasticamente e a agenda fica com muitos espaços vagos. A vontade é de preencher com mil cursos e as famosas "oportunidades imperdíveis" que a internet nos lança; mas temos que nos lembrar de ter intervalos, de que viver exausto e alarmado não é necessário.

Então, vamos aproveitar esse tempo que foi criado e propiciado pela tecnologia, não para ser sugado por ela ou pela máquina capitalista, mas para nós, para as coisas que recarregam as nossas energias, nos rejuvenesce e que, ironicamente, aumentam a nossa produtividade.

Essas foram só algumas reflexões feitas e pontos que me chamaram a atenção na Introdução e no primeiro capítulo desse livro - e ele tem 10! - então, se surgir mais algo - e eu acho que vai surgir, venho aqui compartilhar! 


Alyne Lima

Instagram @alyneblima @estudandoletrasportugues

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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Mais tempo para as coisas amenas


Agora que estou despendendo menos tempo no Instagram, - comecei esse projeto tem uma semana, mas já está me fazendo um bem danado -  tem me sobrado mais tempo para as coisas amenas - agradáveis, aprazíveis, brandas, delicadas, suaves, sossegadas, serenas; como, por exemplo, escrever aqui no blog ou no meu caderninho, para mim, que é uma coisa que gosto muito, mas que pouco me sobra tempo quando gasto minha energia com coisas que não me acrescentam tanto, como rolar infinitamente o feed e as news das redes sociais. 

Essa semana também concluí duas leituras de qualidade. Leitura pausada, em diálogo com o livro, degustando as linhas e as entrelinhas. Esse é outro hábito meu que tenho ressignificado.

E acabei de voltar de uma caminhada matinal. Hoje - dia que escrevo - no último domingo de novembro de 2020, um ano tão confuso, caótico, doentio... e que uma simples, leve e amena caminhada de domingo - coisa que não faço com frequência, caminhar no domingo, digo - pude apreciar o céu, sentir o sol e o vento sobre e pela minha pele, ouvir um podcast levinho e bandas e cantores que me fazem refletir. 

Talvez, seja essa uma boa prática para incrementar na minha vida: ser amena. Me dar a oportunidade de caminhar no próprio tempo, no meu próprio ritmo, sem me jogar na máquina que nos engole. O me dar a oportunidade de ter um tempo de qualidade com os que me cercam e um tempo de qualidade comigo mesma. É isso que quero: amenidades. 


Alyne Lima

Instagram: @alyneblima @estudandoletrasportugues

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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Sobre cansaço... caminhos para reiniciar

Há tempos venho sentindo o cansaço chegar. Ele chega leve, de mansinho, como se quisesse anunciar aos poucos, nos dando espaço para recuar rever os planos, tomar uma hora "livre" - aquele filminho mal assistido, meio dormindo, meio atualizando as news das redes sociais -, dormir um pouco mais... coisas que querendo ou não, não farão ele sumir por completo. Simplesmente porque sentir cansaço é humano, e não podemos maquiar algo que é tão nosso, quanto nossos momentos de maior produtividade e energia.

Hoje, ouvindo um podcast ("Abra espaço para o seu cansaço" - Para dar nome as coisas), meio que senti um estalo ao ouvir a seguinte frase: "O cansaço é a forma mais cabal da minha persistência, das minhas lutas.". Muitas vezes queremos mesmo negar o cansaço. Como poderemos deixar de produzir, assistir mil stories, curtir quinhentas fotos, ler três livros, correr uma maratona, comer saudável, estudar 8 horas por dia, dormir 8 horas por noite, ser social e sociável, cuidar dos nossos afazeres domésticos se estivermos... casados? Como posso ter tamanha apatia diante de um mundo tão frenético, que me cobra, que pede que eu me mostre, que pede eu veja, e entre nesse constante correr... correr... correr...

O cansaço nos exige parar. E temos que entender que tudo bem. Tudo bem parar. E muitas vezes esse parar nos pede que nos desconectemos das nossas redes sociais - ao menos eu percebo que o instagram, por exemplo, me causa uma ansiedade louca, por não conseguir acompanhar tudo, não conseguir produzir tanto, e como atuante do studygram, ter que mostrar produtividade, proficiência... mesmo sempre querendo mostrar a verdade, os dias de luta e os dias de glória, tem outras mil contas que mostram só dia de glória... e a gente se frustra por não ter só dias de glória também parece que a nossa mente assimila que aquilo é uma completude, e não o fragmento de uma vida. 

Tudo bem parar e querer tempo para assistir um filme sem ter que lavar louça ao mesmo tempo, pois perdi meu tempo livre checando a vida alheia. Tudo bem querer um tempo para sentar no quintal e ouvir os pássaros.

Tenho ouvido outro podcast que tem me ajudado demais a pensar a vida de forma mais simples e lenta, a Bruna do podcast "Uma vida mais simples", me cativou imensamente com a vibe de nos observar mais na simplicidade, e na lentidão, nessa tentativa de fazer esse caminho contrário que o mundo capitalista sempre nos obriga a entrar no fluxo. 

E olha que eu sou de correria (ou fui condicionada a ser?). Mas estou cansada. Mas já estou melhorando porque até semana retrasada eu estava exausta e eu tive que tentar compreender o cerne do meu cansaço, que foi indicado pela minha ansiedade (dores fortes no peito/ apatia/ estresse excessivo). Estou ainda tentando me ressignificar, me compreender. E para isso, eu preciso da lentidão, de dias mais amenos. 

Continuo fazendo o que tem que ser feito, só que para mim. Sem ter que mostrar a todo segundo, o texto do momento, o fichamento feito, a live assistida. Compreendo que rotinas inspiram, compreendo que muitas pessoas gostam de acompanhar a minha rotina, mas que nesse momento preciso colocar a minha máscara de oxigênio e respirar.

Precisamos nos reiniciar, e temos que buscar as coisas que nos reiniciam no meio desse cansaço. Uma música animada, um filme, um caminhar no entardecer, um tempo longe das redes... E ir caminhando aos poucos, caminhando lento, buscando caminhos para nos reiniciar e buscar estratégias para não entrar em pane metal. Para realmente viver, aproveitar o processo. 

Alyne Lima

Instagram @alyneblima @estudandoletrasportugues

Vou voltar a utilizar o blog para maiores reflexões e também como meio de escapar da ideia frenética do instagram. Se quiser acompanhar, volte aqui com mais frequência :) e se quiser também deixar dicas de conteúdo para os nossos bate-papos aqui, fique a vontade para deixar nos comentários. 

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Espelho


Clube de escrita feminina -  Auroras
Atividade 2- Pelos olhos de uma criança

Eu seguro a sua mão.
Vem, me leva nessa dança de menina e me deixe ver seus olhos
Espelho
Ancestralidade
Memória

Marcas de um passado
Lembranças de uma infância

É bom ver que você cresceu e que não mais teme sua cor
É bom ver que você cresceu e que tem orgulho do seu cabelo, menina
É bom ver que você crescer e seu sorriso demonstra essa confiança de ser quem você é
E eu fui, antes de ser corrompida e quebrada

Hoje você sabe que nada intimamente seu deve lhe causar vergonha
E que você é uma estrela em meio às constelações de nossa melanina

E isso é mais do que resistência

É bom ver que crescemos.
Que nos tornamos algo que em algum momento, na nossa brincadeira inocente da infância fomos.
E fizemos bem. Como você tem feito agora.

E pelas palavras que tanto amamos
Fazemos esse enlace, pelo espelho
Da memória
E da Ancestralidade

Sinto seus braços me envolvendo
Como se quisesse cuidar de mim e me proteger
Eu aceito.
Eu aceito seu abraço, pois sinto sua energia.
Que aquece
E queima.

Queima, pois sei que você tem força.

Mas não preciso da sua proteção.

O que eu passei, fez o que você é hoje.
O que nós somos hoje.

E isso não significa que você não passar por caminhos amargos
Significa que você precisa. Por mais que doa.
Para que em breve, possamos nos encontrar outra vez.

Se olhe no espelho.
E observe.
Essa é sua memória.

Estamos buscando nossa ancestralidade.

Menina.


Alyne Lima

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Era tempo de arrumar as malas


Clube de escrita feminina -  Auroras
Atividade 1- Escreva sobre um item que traga memórias 


Era tempo de arrumar as malas. Vinte e dois anos de existência em uma única casa, no mesmo endereço, no mesmo bairro, ao lado das pessoas que sempre foram mais especiais para mim: meus pais e minha irmã. Era hora de deixar o esteio. De sair. Não como se não houvesse passado, mas como se agora fosse o momento de criar o meu futuro.

Encaixotando memórias, pegava nas mãos cada um daqueles tomos, cada um daqueles livros já me havia propiciado momentos inenarráveis. Minha vida foi entre histórias, seja elas orais ou escritas. Entre meu avô e eu, inúmeras experiências foram trocadas. E na ausência dele, essas histórias foram suporte.

Aquele livro menorzinho, entre tantos que estavam ali, me levou para longe. Pra uma infância em que tudo era possível e que as histórias já cumpriam uma imensa parte. Talvez, este seja o único livro que me resta daquele momento. Um livro de natal, vermelho com uma mamãe noel na capa. Os outros onze da coleção se perderam com o tempo, mas nosso inconsciente tem a arte de reter sentimentos e vivências que presenciamos ao ler determinado livro. E fui transportada para uma infância em que ler não era mais do que entretenimento. Ler por ler. Ler para mim. Ler para dizer se gostou do livro para a bibliotecária da escola. Ler para frequentar aquele corredorzinho minúsculo e quase esquecido daquele castelo-escola. Ler para mim. Ler para dar extensão às histórias orais que meu avô me contava antes de dormir. Ler para ler.

Aquele livrinho vermelho foi o início de uma paixão. De uma vontade de manter uma biblioteca tão esplendorosa quanto a da Fera. Sempre foi como se os livros falassem e tivessem vida. Esperassem ansiosamente sua vez de serem lidos e ganharem a vida pela mente que o imagina. Nunca foi luxo. Sempre foi necessidade com o tempo estar mais rodeada de palavras escritas do que ditas pelos adolescentes que me cercavam. E dessa necessidade, nasce o estudo.

Decidi estudar os livros e ensinar sobre eles. Há alguns anos que dedico minha vida ora ao estudo, ora ao ler por ler. E leio muito. Penso que deveria ainda ler mais. Estar mais e mais conectada àquela garotinha que ficava horas naquele corredor minúsculo ou à grande biblioteca que pude frequentar já na escola de minha adolescência. Me conectar à garota que insistia que que precisava reler um livro todos os anos, e assim fazia. Me conectar à garota que lia durante as aulas quando o professor começava a contar histórias da vida. Me conectar à garota que segurou pela primeira vez aquela coleção de livros natalinos vermelhos e que acompanhava aquelas histórias em um CD.

Era mais do que necessário empacotar aquele livro e leva-lo para essa nova fase em minha vida, pois ele foi luz e é, mesmo que surrado e velho, esteio de tudo o que sou hoje. Como leitora e como pessoa.

  Alyne Lima

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Reflexões: O poder da influência de um bom professor (valorização)

"Oh capitain, my capitain!"

Após (re)assistir ao filme Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society), que é um filme americano de 1989, do gênero drama, dirigido por Peter Weir, fiquei refletindo sobre a importância da influência de um bom professor em nossas vidas, principalmente, nas circunstâncias de constantes desvalorizações e ataques à educação. 

O filme se passa em 1959, em uma tradicional escola norte-americana apenas para garotos. Guiada por 4 grandes princípios (tradição, honra, disciplina e excelência), a Academia Welton se orgulha de formar grandes líderes numa sociedade em que os pais tinham enorme influência na escolha profissional dos filhos. Nesse contexto, um novo professor, John Keating, confronta os ideais conservadores da instituição, que pouco valoriza expressões artísticas e limita a liberdade dos estudantes. Keating estimula o pensamento crítico e autônomo dos jovens e os ajuda a enxergar o mundo de um ponto de vista diferente, perseguindo suas paixões e assumindo as rédeas das próprias vidas. Dessa forma, tenta acabar com a passividade frente a um sistema autoritário que não permite que reflitam sobre suas trajetórias e desejos. Além disso, a partir da temática do carpe diem, o professor desperta nos alunos a vontade de se descobrirem e aproveitarem a vida.

"Carpe diem. Aproveitem o dia, meninos. Façam de suas vidas uma coisa extraordinária." -Sociedade dos Poetas Mortos

É interessante, inicialmente, frisar o constante interesse, em nossa sociedade, em retornar aos valores tradicionais nas escolas - disciplinação de corpos, como já conhecemos pelas colocações do filósofo Michel Foucault, se não conhece, recomendo pesquisar sobre- que foram postulados durante o regime da ditadura militar, no Brasil. Assim, a escola, nessa formulação, visa apenas a produção de mão-de-obra rápida, sem dar espaços para crescimento intelectual, sem a busca pelo crescimento crítico e a valorização das paixões - ou das artes. Posto assim, o conhecimento sobre a literatura, em especial, acaba sendo visto como supérfluo, por mão ter uma finalidade prática, e assim, é desvalorizado. E o professor Keating, no filme, propõe um ensino que vai contra toda essa desvalorização da arte e do conhecimento com fundos utilitários.

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Continuando: Certo dia, um dos estudantes fica sabendo que o professor havia sido aluno da Academia e participara de um grupo chamado “Sociedade dos Poetas Mortos”. Ao ser questionado sobre o assunto, Keating explica se tratar de uma espécie de clube de alunos que se reuniam para ler poesia. Inspirados pela ideia, os jovens decidem fazer o mesmo. Entre as leituras nos encontros noturnos em uma caverna próxima à escola, cada um se depara com novos sentimentos, sonhos e características que até então não conheciam sobre si mesmos. Em meio a aulas intrigantes, leituras inspiradoras e descobertas conflituosas, uma série de consequências acomete os personagens. Entretanto, ao final, fica claro o reconhecimento dos alunos ao professor e a perpetuação do seu legado, que ensinou aos jovens a possibilidade de encarar o mundo de uma maneira nova.

"Garotos, vocês devem se esforçar para encontrar suas próprias vozes. Porque quanto mais vocês esperarem para começar, menos provável que vocês possam encontrá-la. Thoreau disse: 'A maioria dos homens leva uma vida de desespero silencioso'. Não se rebaixem a isso. Saiam!"  - Sociedade dos Poetas Mortos

Para que a ação de educar seja concreta, o professor precisa lidar com uma série de burocracias exaustivas como: a redução da educação à formação de competências, sistema escola- empresa, demandas exacerbadas e indevidas, situações que causam desgaste físico e metal antes mesmo de entrar para sala de aula. Lá, problemas como desvalorização, desinteresse e desrespeito. E após, trabalhos extras - correção, planejamento, lidar com demanda via redes sociais, sistemas - e ainda... baixo salário. Obviamente o sistema não quer que uma pessoa chegue apta - mental e fisicamente - para entrar em sala de aula disposto à ministrar: aulas intrigantes, leituras inspiradoras e causar descobertas conflituosas como o senhor Keating, não é mesmo? No entanto, ainda muitos professores, mesmo com essa demanda, insistem nessa construção imaterial nada válida para a sociedade capitalista: a sabedoria. (Valorize!!!)

Os alunos, por outro lado, raramente veem esse contexto. Ou seja, quantas batalhas aquela pessoa que se colocou ali como professor teve que enfrentar antes de lidar com uma multidão de seres humanos - ávidos ou não pelo conhecimento - para tentar fazer aulas minimamente decentes com os minutos que restam após toda a burocracia e disciplinação de corpos. Raramente se veem alunos interessados em cooperar com essa profissão, até porque, muitos estão ali forçados pelos pais e pelo sistema, sem saber suas ambições e desejos, e como esse ambiente pode ser benéfico devido a incerteza. 

Assim, ter pessoas para apontar nossas possibilidades e que sejam resistência frente ao caos que a sociedade enfrenta, acaba sendo, informalmente falando, "uma mão na roda", não apenas na vidas dos seres que se colocam ali como alunos, mas também rumo ao caminho da valorização da profissão das profissões, que acarretará, a duras penas, a um melhor entendimento sobre essa formulação do que é ser escola/aluno/professorNo entanto, não é de interesse do governo que isso aconteça, temos que agir por nos mesmos.